Foto: Carlos Bassan / Prefeitura de Campinas

Criação de fundo público sem participação civil desperta críticas

A criação de um novo fundo municipal pela Prefeitura de Campinas para investimentos públicos é alvo de questionamentos do Conselho Municipal de Saúde e também enfrenta críticas da oposição na Câmara, devido ao fato de a nova estrutura ter como gestores apenas secretários de governo, sem participação de conselhos ou representantes da sociedade civil.

Devido a essas características, a iniciativa foi classificada como “orçamento secreto” ou “estrutura paralela” pelo Conselho de Saúde, que cobra participação da sociedade nas discussões sobre em quais demandas aplicar os recursos e prestação de contas sobre as fontes de financiamento.

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O projeto do chamado de Fundo Municipal de Desenvolvimento Social foi encaminhado à Câmara pelo governo Dário Saadi (Republicanos) no final de agosto, e aprovado definitivamente em 17 de novembro, mas ainda não foi enviado para sanção oficial. Durante seu anúncio, a gestão municipal informou que esse fundo receberá os recursos da venda de 18 terrenos municipais, além de sucatas de veículos, imóveis sem destinação de interesse público e mobiliário “inservível”. Segundo texto do projeto, o fundo também receberá verbas de dotações orçamentárias e créditos suplementares a ele destinados, além de “contribuições ou doações de pessoas físicas ou jurídicas, ou ainda entidades internacionais”.

A expectativa é levantar R$ 4 milhões para aplicação em áreas como Saúde, Educação e Cultura. A gestão do fundo e destinação dos recursos ficam a cargo de um conselho composto pelas secretarias de Finanças, Governo, Administração e Chefia de Gabinete. Segundo a Prefeitura, a venda dos terrenos já tem autorização legal da Câmara e a compra será aberta a qualquer cidadão interessado, após publicação de oferta pública. Já a venda de sucata ocorrerá em leilão.

Em uma moção de repúdio divulgada recentemente, porém, o Conselho de Saúde avalia que, com a lei, o “Poder Executivo estará autorizado a promover mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias, no orçamento municipal e no Plano Plurianual, inclusive o da Saúde, sem que haja controle social sobre esse redirecionamento das verbas captadas”.

“Esse é motivo de nossa preocupação, pois pode significar reduzir o orçamento da Saúde, transferindo parte dele para esse Fundo, além de mudar as nossas prioridades, contidas no Plano Plurianual e, ainda, entregar a gestão, a administração, e fiscalização a tecnocratas escolhidos a dedo pelo Executivo municipal, que não vivenciam o dia a dia dos nossos usuários em suas dificuldades diárias nos serviços de Saúde, Educação e outros”, diz o texto divulgado pelo Conselho. O Órgão, presidido por Nayara Oliveira, que divulgou a nota, ainda ressalta não ser contrário a novas formas de ampliar o orçamento de áreas sociais, mas considera que nesses moldes ele cria um “orçamento secreto e paralelo”.

Segundo Nayara, foi buscada uma articulação com a liderança do governo na Câmara para apresentação de emendas ao projeto, mas não houve resposta. Uma das defesas do Órgão é que os recursos endereçados à Saúde sejam enviados ao Fundo Municipal de Saúde – uma estrutura já estabelecida e que prevê discussões junto ao Conselho sobre a destinação das verbas.

Câmara

Também em nota divulgada ao longo da tramitação do projeto, a bancada de oposição a Dário na Câmara defende que o fundo gerenciado apenas por secretários de governo ameaça “o controle social e a participação popular sobre as políticas sociais em Campinas” e ainda classifica o fundo de “estrutura paralela” de execução de políticas públicas, por não passar pelos conselhos municipais nas áreas da Saúde, Educação, Cultura e Assistência Social. A bancada reúne vereadores do PT, PSOL e PCdoB, que votaram contra o projeto.

Para o vereador Cecílio Santos, líder da bancada do PT, a nova lei traz “preocupação”. “A Assistência Social e a Saúde são áreas que têm conselhos deliberativos e todas as matérias, principalmente que versam sobre investimento, passam por esses conselhos. É fundamental que o conselho dê seu parecer, delibere sobre isso. O que está ocorrendo com esse projeto é exatamente o contrário. Por isso, corretamente, o Conselho Municipal de Saúde diz que é uma estrutura paralela”, afirma.

Ainda segundo o parlamentar, a oposição ainda se movimenta no sentido de pedir explicações ao governo sobre a razão de não vincular o fundo aos conselhos existentes. “A proposta parece realmente querer cortar caminho e não passar pela análise dos conselhos. Estamos cobrando que o prefeito, a liderança do governo, expliquem isso.”

Na sessão em que o projeto foi aprovado em segunda votação, no último dia 17, o líder do governo Dário na Câmara, Luiz Rossini (PV), comentou as críticas na tribuna e negou que haverá deliberações paralelas. Segundo ele, o projeto responde a uma determinação do Tribunal de Contas, para que as verbas de alienação de imóveis públicos sejam revertidos em investimentos. “O fundo não vai interferir em políticas setoriais, até porque este ano essa verba seria de cerca de R$ 800 mil”, disse, na ocasião. Rossini também disse que, caso uma verba seja destinada à Saúde, o governo deverá seguir as políticas vigentes, ouvindo o Conselho.

O que diz a Prefeitura

Questionada sobre as críticas, a Prefeitura negou que vá haver falta de transparência, em nota divulgada pelo secretário de Finanças Aurílio Caiado, mas não comentou sobre a ausência de representantes civis no fundo. Confira:

“O Fundo de Desenvolvimento Social está sendo criado com objetivo específico de garantir que todos os recursos adquiridos pela Prefeitura pela venda de bens móveis ou imóveis serão, obrigatoriamente, aplicados em investimentos e não poderão ser usados para cobrir gastos correntes. Esta é uma exigência de lei nacional e que o Tribunal de Contas tem apontado. A gestão do Fundo será feita de forma transparente por um comitê constituído por membros de quatro secretarias municipais (Administração, Finanças, Chefia de Gabinete e de Governo) e que são os mesmos secretários que já compõem o Comitê Gestor da Prefeitura Municipal de Campinas. Reitero que os recursos do fundo só poderão ser aplicados em investimentos e não em despesas correntes.”

Reportagem de Claudio Liza Junior, publicada originalmente por Radar C.

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